sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Relatividade e aparência

Na cidade a vida é uma correria. As pessoas correm, têm pressa, stressam. Não percebem que, na sua correria, perdem muito daquilo que poderiam ganhar se fossem pacientes, diria até mesmo expectantes. Há sentimentos, cores, sabores, cheiros que não podem ser captados por quem passa a vida no frenesim rotineiro da sua vida. Acordar tarde, acordar muito cedo, não cumprir horários, almoçar ora ao meio-dia em ponto, ora à uma e meia, ora às três, trabalhar até mais tarde, sair mais cedo do trabalho, faltar, dar um sábado, não alternar, pois alternar é uma rotina, apesar de apresentar um ciclo mais amplo, ir de carro, ir a pé, ir de transportes públicos, não ir, tudo pode mudar uma vida não só pelo mais óbvio, como até pelo que passa despercebido à maior parte das pessoas, mas que ninguém pode dispensar. Isto é, os sentimentos. Mas lá está, as pessoas têm pressa. Têm pressa de ir para o túmulo. Depois olham para trás e vêm que afinal não fizeram o que queriam porque não tiveram tempo. Não falo das ambições impossíveis, falo sim de gestos e sentimentos que deixam de ser realizados e vividos. Há que saborear os momentos que valem a pena. Dos que não valem, é fugir a sete pés. O que não vale para mim pode valer para outro e essa é uma das coisas que é mais apreciável nesta vida. É maravilhoso saber que as bananas não vão deixar de ser comidas só porque eu não gosto. Que os meus amigos não vão ficar sozinhos só porque eu sou heterossexual. Ou até que vão ficar sozinhos, porque simplesmente querem e são felizes assim.
Na cidade as pessoas ligam demasiado às aparências. Repara-se se alguém está roto, se está mal vestido, se está nu, se cheira mal dos pés, das mãos, da cabeça, do sovaco, se tem pêlos onde eticamente não devia, se tem o cabelo curto, com um corte diferente, comprido até aos pés, ou só pelos ombros, se caminha direito, torto, se tem as duas pernas ou só uma ou até nenhuma, se é estudante, desempregado, tem um emprego duro, tem um emprego leve. Dá-se mais valor ao acessório do que ao essencial. Ninguém está preocupado se o indivíduo está doente, se é pobre, se tem frio, se tem fome, se precisa de ajuda, se é igual a toda a gente apesar da sua diferença, se está deprimido, se quer desaparecer do mapa. A política usada é a de justificar a situação dando definições arcaicas dentro do que é politicamente correcto. É o vagabundo, o ladrão, o indigente, o malandro, o coitado, o deficiente, o anti-social, o carrancudo, o trafulha. Esquece-se facilmente que os outros têm sentimentos e que não se está livre de se padecer posteriormente da mesmas maleitas. Dá-se aquilo que não se precisa. Não se confia, pois a confiança é algo que só funciona mutuamente. Se não se confia no outro, esse outro não confia em nós. Se se confia no outro e o outro confiar em nós, tudo bem. O medo das pessoas é confiar e isso não ser recíproco. Pode arcar com sérios problemas só porque confiou em quem não devia.
Na cidade... O problema é que a cidade nem sempre é uma cidade.

Lá está! Isto sou eu que não percebo nada disto...